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CYBERBULLYING

violência virtual

Agressões, humilhações e intimidações vexatórias se alastram rapidamente no espaço virtual, deixando marcas e feridas em vítimas que muitas vezes não sabem como ou de quem se defender.

Por Mara Santos - 30 de agosto de 2020

Quem nunca viu ou soube de casos de grandes perversões? Como alguém debochando de outra pessoa, criando e propagando apelidos, exaltando defeitos e imperfeições do outro? Discriminação, implicância, agressões verbais, físicas e humilhação não são comportamentos novos. No entanto, há alguns anos ganharam um olhar mais atento de médicos, pesquisadores, educadores e até da justiça. E a forma como o problema é encarado tem mudado com o tempo.

Há pouco mais de 20 anos, provocações passaram a ser vistas como uma forma de violência e logo ganharam o nome de bullying - palavra do inglês que no português pode ser traduzida como “amedrontar” ou “intimidar”-, cuja principal característica é agredir verbalmente outras pessoas de forma intencional e repetidas vezes. Mais recentemente, desde 2003, o acesso à tecnologia revelou uma nova face do problema. Mensagens negativas disseminadas, e-mails ameaçadores, notícias falsas em sites de relacionamento, fotos e vídeos constrangedores para a vítima são exemplos de uma violência virtual chamada de cyberbullying. Tipo de agressão que só cresce e se propaga o tempo todo no espaço virtual.

Como toda violência, ainda que virtual, o cyberbullying deixa feridas profundas em suas vítimas, pois a agressão não acaba quando elas deixam o espaço físico onde é destratada, mas continua e se propaga para milhões de pessoas, perpetuando marcas de humilhação, vergonha, constrangimento e dor, que machuca e pode destruir vidas. 

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Violência crescente

 

Um  a cada três jovens, em 30 países, já sofreram cyberbullying. É o que aponta um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência ( Unicef), em 2018.

No Brasil, 37% dos jovens entrevistados afirmaram que foram vítimas desse tipo de violência e apontaram as redes sociais - Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, Youtube- como principal espaço onde as agressões ocorrem.

 

Em 2018, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisas (Ipsos), o Brasil é o segundo país com maior número de casos de cyberbullying registrados no mundo.

Segundo a mesma pesquisa, em 2011, 20% dos jovens entrevistados no Brasil afirmaram que foram vítimas de cyberbullying. O número caiu em 2106, ficando em 19%.

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Nas últimas pesquisas realizadas pelo Instituto Ipsos, Índia, Brasil e Estados Unidos aparecem​ nas primeiras posições do ranking mundial, como as nações onde mais ocorrem cyberbullying.

Em 2018,  o Brasil aparece em segundo lugar no ranking com 29% de casos registrados, atrás da Índia que lidera, com 37%. Os Estados Unidos aparece na terceira colocação, com 27%.

Na pesquisa anterior, em 2016, o Brasil registrou 19% dos casos e ficou em terceiro lugar no ranking. A Índia aparece em segundo, com 32%. Os EUA liderou a pesquisa com 34%.

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Cyberbullying em Alagoas

De  acordo com a seção de crimes cibernéticos, da Divisão Especial de Investigação e Captura (Deic), em Alagoas, o estado só passou a registrar, oficialmente, crimes ocorridos no meio virtual em janeiro de 2019.

O aumento no número de casos deu origem a uma seção especializada para investigar esse tipo de crime dentro da Polícia Civil.

Segundo dados da Deic, de janeiro a outubro de 2019, cerca de 800 crimes cibernéticos foram registrados em Alagoas. O levantamento não identifica especificamente os casos de cyberbullying. No entanto, uma das modalidades deste crime, chamada de "revenge porn"- vingança pornográfica- tem crescido no estado.  Nos primeiros 10 meses de 2019, 32 casos dessa modalidade foram registrados em Alagoas.

Além de cyberbullying, a vingança pornográfica é um crime machista, visto que normalmente é cometido contra mulheres que têm videos, fotos com conteúdo íntimo ou sexual divulgado por um parceiro ou alguém com quem já tenha mantido um relacionamento. O agressor neste caso pratica o crime para expor a mulher, tendo certeza de que ela vai ser julgada e condenada pela sociedade, principalmente quando o assunto é relacionado ao sexo.

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O cyberbullying tem diversas modalidades, todas configuram crimes e são passíveis de punições, indenizações e até prisões. Algumas modalidades são registradas com maior frequência. Segundo pesquisas do Ipsos, entre as mais recorrentes estão: calúnia, difamação, injúria, ameaça, constrangimento ilegal e vingança pornográfica.

A pesquisa também revelou que tem crescido a prática dos tipos sexting, outing e happy slaping. Com as redes socais, a prática de cyberbullying e outros crimes cibernéticos é uma constante na internet, lugar onde o fenômeno se apresenta cada vez mais sistemático, implacável e provocando consequências graves nas vidas das cybervitimas.

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A primeira vítima

Em 14 de abril de 2003, o adolescente Ghyslain Raza, 14 anos, estudante do ensino médio da cidade de Troís- Rivières, em Quebec, no Canadá, viu sua vida virar do avesso ao ter um vídeo seu divulgado na internet. Raza gravou o vídeo no dia 3 de novembro de 2002 em um estúdio localizado na própria escola. Nele, o adolescente aparece com um taco de golfe, simulando um sabre de luz, e realizando movimentos como o vilão, Darth Vader, do filme Star Wars (Guerra nas Estrelas).

A gravação foi realizada como um teste para uma apresentação da escola e o jovem queria avaliar seu desempenho. No entanto, Raza esqueceu a fita no porão. Colegas de escola descobriram o vídeo, criaram um arquivo de computador através da fita de vídeo e distribuíram por toda a unidade escolar. O estudante Cory Homertziem fez o upload para a internet e batizou o vídeo com o título “Jackass_starwars_funny.wmv".

Conhecido como “Star Wars Kid”, o vídeo se transformou em um viral na internet. Ghyslain Raza se tornou alvo de ataques violentos, sofreu xingamentos e recebeu mensagens críticas e intimidadoras de colegas e estranhos online.

Nascia assim o primeiro caso de cyberbullying registrado no mundo, definido desta forma pelo próprio adolescente na época.

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Dez anos depois, em maio de 2013, em entrevista, Raza contou que na época perdeu todos os amigos, teve que mudar de escola e chegou a ser internado em um hospital psiquiátrico. Além disso, o jovem também admitiu que considerou seriamente a possibilidade de tirar a própria vida e que sua família entrou com processo contra as famílias de seus quatro colegas, alegando que teve que suportar assédio e escárnio na escola e do público em geral, e ainda assim foi mal interpretado. ​

Atualmente, com 32 anos, Ghyslain Raza é formado em Direito e dá palestras sobre sua triste experiência. 

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Começou como uma fofoca boba

Foi no ensino fundamental de uma escola municipal de Satuba, na Região Metropolitana de Maceió, que a então estudante Jayne Raiane Nascimento Rodrigues, na época com 13 anos, viveu uma experiência definida por ela como "marcante de modo ruim", ao ter sua intimidade espalhada pelo colégio e por toda a pequena cidade.

 

O Orkut ainda imperava na internet, quando uma página de fofoca divulgou a informação de que Jayne era BV, “Boca Virgem”, ou seja, não havia beijado ninguém. A jovem conta que foi avisada por uma garota, possivelmente integrante da equipe que alimentava a página, de que teria uma fofoca a seu respeito divulgada. “Ela chegou até a mim e falou: ‘- Jayne, pode ser sobre você agora’. Não sei se era para dar um medo nas pessoas, mas soube depois que ela sempre avisava as vítimas”, conta a assistente administrativa. 

Chorei por dias e fiquei sem querer ir ao colégio quando tudo veio à tona.  Não conseguia encarar ninguém!"

A estudante diz que apesar do medo de ter seu nome em meio à fofoca, não deu muita importância, imaginou que seria bobagem e que não levariam a sério. “Fui para o curso de informática, na tarde do dia em que ela me avisou, acessei a página e vi a postagem sobre mim. Fiquei muito nervosa e pensei ‘Meu Deus, como eu vou chegar no colégio?’. Eu fiquei com vergonha de ir a aula no dia seguinte, porque era um segredo meu, uma coisa particular minha. Foi horrível e perturbadora toda a situação. Lembro até hoje de como me senti mal com toda a fofoca”, diz.

Jayne conta que não queria ir à escola, mas não conseguiu arrumar uma justificativa para dar a mãe e faltar a aula. A fofoca foi além dos muros do colégio. "Eu chorei muito, por dias, e fiquei sem querer ir para o colégio. Não conseguia encarar ninguém, nem meus amigos. Fiquei constrangida, porque eu não queria que fosse divulgado nada, imagina dessa forma?! Minha família não soube de nada, se soube não houve comentários, não quis envolvê-los e preocupá-los. Pelo menos em casa, eu estava em paz”, relata.

  "Quando cheguei percebi que todos me olhavam, cochichavam, riam, me apontavam. Professores e funcionários comentavam comigo. Como a cidade é pequena, logo todo mundo ficou sabendo. Por onde eu passava, o comentário era geral."

Jaine Rodrigues

A jovem conta que além da tristeza, também havia muita vergonha. A situação fez com que seus amigos a hostilizassem, pois todos já tinham “ficado”, beijado alguém. Por isso, ela mentia dizendo que já tinha beijado para se enquadrar no "normal" e não ser tratada com desdém. ​

 

Hoje, aos 22 anos, mais madura, Jayne diz que não sabia se defender na época. E que com o tempo, percebeu que não se pode fazer as coisas porque alguém, ou um grupo, diz para fazer. Ela ressalta, que não importa o que digam, aprendeu que cabe a cada um fazer o que quiser e quando se sentir pronto, sem se atentar para o momento, ou a idade. ​

 

Jayne diz que descobriu, anos mais tarde, que era um conhecido da cidade que alimentava a página, mas com informações passadas por outras pessoas. Era um grupo de adolescentes que se organizava para praticar o cyberbullying.

 

Segundo a jovem, mesmo sendo na época do Orkut, foi uma coisa “ruim, pesada, tensa” para ela enfrentar naquela idade. “Imagina se fosse atualmente, com esse monte de rede social e onde todo mundo, literalmente tem acesso à internet?! Teria sido ainda pior, acho que devastador para uma adolescente como eu era”, afirmou.

Jayne diz que hoje consegue rir, quando lembra do ocorrido, mas que ainda sente vergonha quando pensa na exposição. “Depois de tudo, consegui ficar com o menino que eu gostava e, devido ao boato, quando isso aconteceu a turma até comemorou... foi constrangedor! Tudo ali me fez aprender uma lição: Não importa o que as pessoas digam ou falem de você, você tem que se manter firme, manter a cabeça erguida e fazer apenas o que quer e te dá vontade. Isso é o que importa. Nada mais!", frisou.

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Publicação falsa

Jovem, baladeiro e organizador de eventos, Alexandre Adonnys Santos, 23 anos, curtia mais uma balada acompanhado do namorado e amigos e tomou um susto quando, no meio da festa, lhe mostraram uma postagem que marcaria a sua vida para sempre. "Conversava com amigos, quando Sebastião - o namorado - se aproximou, perguntou se eu já tinha visto algo no celular, me pediu para ter calma e me mostrou a postagem que arruinou a minha noite", lembra demostrando pesar.

​Adonnys se deparou com perfil seu, em um aplicativo de paquera gay, com fotos e dados, onde ele declarava que havia sido diagnosticado com HIV (AIDS). Popular e conhecido na noite maceioense, o jovem conta que ficou desorientado e que, inicialmente foi "tomado pelo ódio".

Eu fiquei constrangido e enfurecido. Era a minha imagem que estava ali, dizendo que eu tinha uma doença séria, que provoca muito preconceito e, principalmente, porque eu não tinha. Em questão de minutos, muita gente vinha falar, perguntar o que era aquilo, o que estava acontecendo e se eu precisava de ajuda. Gente até que nunca tinha visto na vida", conta.

Foi horrível! Vivi dias de aflição, constrangimento e muita tristeza. Todo mundo viu, comentava, vinha perguntar, queria saber. Um inferno!"        

Com raiva, Adonnys diz que criou um outro perfil no mesmo aplicativo, com seu nome e dados, e enviou mensagem para o criador do perfil falso, pedindo que ele parasse com aquilo. Amigos do jovem que estavam com ele na boate também falaram com o criador do perfil, pedindo que ele retirasse a notícia falsa. Para eles, o agressor virtual respondia que o ato era uma vingança, pois o jovem teria mexido com um amigo seu. No entanto, Adonnys disse ter plena convicção de que não tinha feito nada para ninguém, que justificasse a mentira e a exposição. 

 

Sem clima, o jovem abandonou a festa e foi para casa pensar no que fazer para que aquele fato não prejudicasse sua vida, seu emprego e suas relações pessoais. Adonnys conta que não conseguiu dormir e que logo nas primeiras horas da manhã foi até a delegacia mais próxima da sua residência para prestar queixa.

 

“Fui bem recebido na delegacia. Tanto o escrivão, quanto o investigador de plantão foram atenciosos. Pegaram meu depoimento, durante 2 horas, me informaram que o processo, após aberto poderia durar dias, meses e até anos. Aquilo foi desanimador. Além disso, eles disseram que para dar continuidade as investigações eu teria que levar três amigos para depor. Aí eu desanimei definitivamente”, disse o jovem com ar abatido.

“Eu esculhambei, ameacei, sei que não era para fazer isso, mas diante do meu desespero acabei fazendo, briguei, argumentei, mas a pessoa lá, de uma maneira sádica, só ria e me bloqueava.”

Alexandre Adonnys

Trabalhando há cinco anos como auxiliar administrativo em uma distribuidora de alimento, ele ainda chegou a falar com alguns amigos, que prontamente disseram que iriam. No entanto, ele achou melhor não os submeter a saírem de suas casas, faltar aos seus respectivos trabalhos para ir à delegacia depor, quando ele mesmo havia constatado que não iria dar em nada. ​

“Vivi dias de aflição, constrangimento e muita tristeza. Foi horrível! Todo mundo viu, comentava, vinha perguntar, queriam saber. Em todos os lugares que eu ia, era um inferno. No trabalho, todos souberam e não perdi o emprego porque falei com meu gerente, expliquei toda a situação e minha conduta na empresa serviu como exemplo para ele aceitar e se colocar à disposição para ajudar”, desabafa. ​

Além da vida social e profissional, a vida familiar de Adonnys também amargou as consequências do cyberbullying. A mãe, o pai, tios, irmãos e o namorado ficaram abalados e atordoados. “Meu pai e meu namorado foram os que mais ficaram preocupados, diziam que tínhamos que descobrir quem fez e tomar providências. Meu pai queria tomar medidas extremas, como dar uma surra na pessoa quando descobríssemos quem foi. Ele ficou bem louco mesmo com tudo isso”, explica.

O jovem afirma que apesar de ter suspeita, nunca descobriu a autoria da agressão. Dois dias depois, devido às denúncias constantes de seus amigos no próprio aplicativo, apontando o perfil falso, o conteúdo foi enfim retirado do ar.

Fotos de Adonnys foram retiradas de suas redes sociais e usadas no falso perfil.
Postagem feita no perfil falso.
Perfil falso criado com imagem do Addonys.
Nota de esclarecimento postada por Adonnys nas redes sociais.
Fato repercutiu na mídia local.

Para cessar as constantes explicações, Adonnys postou uma nota de esclarecimento em suas redes sociais. Após tudo passado, ele diz que não recomenda que as pessoas usem mais nenhum tipo de aplicativo de paquera. “Hoje, eu não recomendo que as pessoas usem esse tipo de aplicativo. Eu não sei se vale alguma coisa alertar, mas acho que é melhor não. Não vou mentir que já usei quando era solteiro, mas ainda assim, hoje, eu não recomendo por conta disso. Minha vida ficou de cabeça para baixo”, alerta.

 

Para Adonnys, há ainda um despreparo da polícia para investigar e chegar a pessoa que pratica o cyberbullying e demais crimes virtuais. Ele disse que na época também foi avisado de que não havia uma delegacia especializada nestes crimes. Ainda assim, chegou a levar prints do falso perfil e das conversas que teve com o agressor para a delegacia, mas não foi suficiente para a investigação policial que exigia mais.

 

"Apesar de ser bem tratado na delegacia, não vi seriedade no tratamento do caso. Acho que viam como besteira, algo que pode ser excluído e pronto, mas não levam em consideração o estrago, a dor e os problemas que uma coisa dessa causa na vida da pessoa. A gente chega a pensar em praticar um crime. Falta muito, muito preparo para a polícia nesse sentido", afirma.

Diante do que para ele era a certeza da impunidade, e também e da dificuldade para levar o caso adiante, Adonnys diz que resolveu deixar a história de lado e enfrentar a vida com o apoio da família e dos amigos, que sabiam que o fato não era verdade. 

 

Para o jovem, o atual cenário virtual faz as pessoas acreditarem na máxima de que "tudo que está na internet é verdade" e sua maior preocupação era mostrar as pessoas que não é, e que há muita mentira e maldade na rede.

 

Segundo Adonnys, até conseguir superar, há um caminho de dor, sofrimento e um desespero que pode afetar muito, e para sempre, a vida de quem é vítima de uma agressão deste tipo.

​"Perdi tempo indo na delegacia, prestar queixa e nada ser resolvido. Aí, deixei para lá. É levantar a cabeça e seguir com tudo que tem que enfrentar, hostilidade, preconceito, vergonha, ansiedade, desespero, desamparo, julgamento, calúnia, impunidade, uma série de coisas que acabam com nosso psicológico, mas a vida precisa seguir, apesar disso”, concluiu.

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Pornografia de vingança

"Meu mundo desabou!", assim a professora e funcionária pública Michele Nunes (nome fictício), 37 anos, define o momento em que descobriu que um vídeo íntimo seu havia sido divulgado nas redes. O fato caracteriza uma das modalidades do cyberbullying cada vez mais frequente, que expõe a intimidade da vítima de forma cruel, causando dor e transtorno, batizada de "vingança pornográfica".

A ação criminosa é muitas vezes praticada pelo parceiro, por não aceitar o fim de relacionamento, ou de alguém que deseja destruir ou causar um dano imenso na vida de alguém.

 

No caso de Michele, apesar de suspeitas, ela nunca descobriu quem divulgou as imagens gravadas em uma viagem romântica com o namorado, com quem estava há 11 meses. “Ele me deu uma câmera de presente de aniversário. Tinha 25 anos na época. Estávamos em nossa primeira viagem sozinhos, ele deu a ideia de fazermos o vídeo e aceitei fazer após muita insistência dele”, relata.

A professora conta que precisou de muita coragem para dar essa entrevista, pois ainda sente as marcas psicológicas e o julgamento social. "Era outubro de 2008, nossa primeira viagem. Em um momento romântico e íntimo ele sugeriu que gravássemos um vídeo enquanto fazíamos amor. Relutei a princípio, mas diante da insistência dele e da promessa de que apenas nós dois teríamos acesso e que o arquivo estaria seguro, aceitei fazer. Fiz consciente. Na época eu não bebia nada alcoólico. Depois eu quis apagar, inúmeras vezes, antes e depois de ele salvar, mas ele dizia para eu relaxar, que estava seguro e ninguém iria saber", conta.

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Não tenho como definir o que vivi. Foi terrível! Muitas mensagens e comentários horrendos choviam nas minhas redes sociais. Sofri até ameaça de estupro anonimamente, e cheguei a pensar em me matar."  

A vida seguiu, o relacionamento avançou e dois anos e quatro meses depois o noivado aconteceu. Michele lembra que o relacionamento começou conturbado. Quando eles se conheceram o então noivo tinha um relacionamento e eles assumiram a relação logo que ele terminou com a outra pessoa. No entanto, brigas e desentendimentos típicos de relacionamentos aconteciam com frequência. ​

 

“No dia 25 de março de 2011, lembro como se fosse hoje, era uma sexta-feira. Eu estava deitada, dormindo no sofá da minha sala, após um dia exaustivo de trabalho dando aulas em duas escolas, quando meu celular tocou. Era ele dizendo que tinha ouvido boatos que o vídeo havia vazado. Fiquei sem chão! ”, lembra com os olhos marejados. ​

 

Depois de um tempo para se recompor, Michele relata que o noivo estava viajando, no dia que ligou para ela, e que antecipou o voo para voltar. Ela diz que após três dias do vazamento do vídeo contou para a mãe, os amigos mais próximos e para as duas patroas - ela lecionava em duas escolas particulares da cidade - uma delas já sabia do ocorrido. Morando em uma pequena cidade do Sertão alagoano, distante há quase 3h de Maceió, Ana viajou até a capital do estado para buscar o noivo no aeroporto.

 

"Posso lhe dizer que fui uma Michele antes daquele telefonema e outra depois dele. Não tenho como definir o que vivi. Foi terrível! As pessoas não paravam de me ligar, recebia muita mensagem de apoio. No entanto, muitas mensagens e comentários horrendos choviam nas minhas redes sociais. Sofri até ameaça de estupro, anonimamente. Minha vida virou de pernas para o ar. Um inferno!”, recorda.

Michele Nunes*

"Eu estava totalmente exposta e na boca de toda a cidade, que por ser pequena me definia como 'vadia'. Estava lá, para todo mundo ver, um momento íntimo e que não é legal para ninguém aparecer daquela maneira. Era vergonhoso, além de tudo o que senti." 

Diante do caos que se transformou sua vida, Michele conta que não sabia como enfrentar a situação, pois morava em uma cidade muito pequena, no interior, onde os valores são muito exacerbados e a cultura, principalmente com relação a mulher e a questões sexuais são totalmente diferentes das cultivada em uma cidade grande.

 

Em menos de uma semana o vídeo já tinha se propagado até nas cidades circunvizinhas, Michele era o assunto de toda a região. Mas, segundo ela, o pior ainda estava por vir. Exatos 10 dias após o vídeo tomar as redes, o noivo terminou o relacionamento e ela perdeu os dois empregos.

 

"Ele terminou, mas não alegou outro motivo que não fosse o vídeo. Em seguida, fui demitida das duas escolas. As diretoras disseram que não havia como eu continuar dando aulas para adolescentes. Além disso, pais de diversos alunos já havia pedido meu afastamento. Eu estava sendo vítima de comentários maldosos e repugnantes", conta.

 

Sentindo-se sozinha e desamparada, Michele diz que voltou para a casa da mãe esperando um esporro ou certa hostilidade, mas disse que se surpreendeu e foi lá o único lugar em que se sentiu bem e foi recebida com amor. “Ela não me disse nada... Ficou calada. Me deu apenas um abraço e me fez um chá. Chorei em seu colo até dormir”, lembra emocionada.

Michele Nunes*

"Me sentia como se tivesse sido violentada e, por isso, sem valor. Também não entendia o porquê que ele não era julgado e apontado como eu. Ele também estava no vídeo. Percebi o quanto a sociedade é hipócrita e machista. Por ser homem, ele não foi prejudicado em nada, seguia normal, sem receio, nem julgamento de ninguém."

Quinze dias depois de ter terminado a relação, Michele e o noivo voltaram. Segundo ela, na época, não entendia por que ainda estava com ele e só se perguntava: "Como vou me refazer? Algum homem ainda vai me querer?". Com a cabeça cheia de dúvidas, com o psicológico devastado, tomada por questões e perturbações, a professora diz que pensou em suicídio.

 

"Nesse meio tempo, de forma concreta, pensei em me matar. Estava em meu quarto sozinha, deitada no chão. Arquitetei tudo. Eu não via mais sentido em continuar viva. Era muito para suportar, para carregar e eu já não aguentava mais. Eu queria acabar com aquela dor, aquela angustia e, na minha cabeça, era a única maneira. No momento que ia concretizar, Deus enviou minha mãe, sem ela saber, até lá. Ela literalmente salvou minha vida”, afirma.

 

​A professora confessa que o noivo nunca a apoiou, nem para procurar algum tipo de ajuda, nem propôs nada para aliviar os danos causados pela exposição. Após o ocorrido, ela diz que passou a ficar mais "descontrolada" na relação, pois acreditava que não era mais como as outras mulheres. Após três meses o casal terminou a relação em definitivo.

 

​Michele conta que sua vida começou a entrar nos eixos depois de um ano. Ela foi aprovada em três concursos públicos, voltou a dar aulas. Ainda ouviu, e ouve, alguns comentários nas escolas, mas que com o tempo aprendeu a se impor e exigir respeito das pessoas. Michele diz que teve, e tem, que "fingir muita demência", pois para muito ela virou "a menina do vídeo", como se tivesse feito o mesmo por dinheiro e não fosse uma ótima profissional e uma boa pessoa. Atualmente, ela faz mestrado, tem sua casa própria e seu carro.

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Quase dez anos depois, Michele aguarda ainda o fim de um processo na Justiça, referente à retirada do vídeo da pesquisa do Google, que tramita desde 2016. Segundo ela, a ação pede indenização aos sites, mas tudo o que ela quer é que o vídeo seja definitivamente retirado. Ela destaca que, certa vez, entrou em contato com o Google e fizeram "chacota" e que até na delegacia, quando foi registrar a ocorrência, o escrivão riu da cara dela. Com tudo, Michele diz que não sabe quem divulgou o vídeo, e que tem suspeitas de que tenha sido o ex-noivo, ou até a ex-dele, esta talvez tivesse tido acesso aos backups (cópias de segurança) do celular dele de alguma forma. ​

 

A professora lamenta não poder mudar o que aconteceu e diz que, por isso, "a duras penas e depois de muito sofrimento" decidiu aceitar e enfrentar o problema. Ela afirma que hoje, quando conhece um homem não se sente na obrigação de contar o que aconteceu e que já teve até outros namorados "maravilhosos" depois do ocorrido.

Com relação ao ex-noivo, Michele fala que como moram na mesma cidade, se falam e sempre se cumprimentam normalmente, mas diz que jamais vai esquecer que em uma discussão ele chegou a chamá-la de atriz pornô. 

​Michele afirma que depois de todo o mal provocado, sabe que precisa de análise e quer que tudo fique cada dia mais distante na sua cabeça, para que consiga viver sem amarras, medo ou angústia.  E aconselha: "Digo as mulheres para que não registre nada do tipo, mesmo que para apagar depois. Não envie nudes, não compensa! Pois depois da exposição, pouco importa quem tenha sido, é você quem vai amargar as consequências. E para quem já passou ou está passando pela situação: muita paciência, muita calma, porque tudo pode piorar a situação. Não é o fim do mundo, ainda existe muita vida após isso. É só uma questão de como você encara, de se reerguer. O problema não é seu, todo mundo transa, da mesma maneira. E as pessoas só enxergam o que querem”, frisa.

A jovem e determinada professora conclui ressaltando que, com o tempo, começou a ver beleza e razão na vida. “ Dói ainda quando falo sobre, mas não me é uma lembrança constante, persistente. Voltei a sorrir! ”, exclama com um sorriso nos lábios.

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Montagem compartilhada

Era manhã de sábado, 1º de dezembro de 2018, Júlio Cezar, prefeito de Palmeira dos Índios, município do Agreste de Alagoas, estava em casa vendo as redes sociais, quando sua esposa, verificando conversas no privado do Instagram do prefeito, percebeu que uma pessoa havia acionado o político sobre uma foto, supostamente sua, com teor pornográfico, que havia sido divulgada na internet. “Fui pego desprevenido, minha vida de uma hora para outra entrou em parafuso”, diz Cezar.

 

Segundo Júlio, em uma "montagem esdrúxula”, a foto mostrava um homem nu e o autor do post afirmava que era ele. “Fizeram uma montagem muito malfeita, de uma foto com um senhor nu e inseriram a minha cabeça. Eu fiquei desesperado, porque associava aquela imagem esdrúxula a minha pessoa. E aquilo estava correndo na rede social, era muito preocupante e eu fiquei muito nervoso”, relata.

 

Diante de inúmeras ligações, mensagens e visitas de amigos, que a todo momento procuravam saber de Júlio sobre o que estava acontecendo e do que se tratava aquilo, o prefeito palmeirense diz que mesmo abalado, procurou manter o equilíbrio para pensar no que fazer. “Eu me senti um prisioneiro em minha própria casa. Eu não pensava em outra coisa a não ser proteger meus familiares e amigos. Era totalmente visível notar que eu estava abalado, mas eu tive muito equilíbrio para tomar as medidas certas, utilizando os mecanismos legais para achar o responsável. Eu me senti destruído”, destaca.

É a primeira vez que falo abertamente sobre esse caso. Ele deixou traumas profundos, dor e sofrimento. Isso não parou, ainda persiste. É como se a ferida não cicatrizasse e ainda estivesse aberta." 

Júlio diz que pensou que a autoria da agressão virtual fosse de algum grupo de oposição ao seu governo no município. Na época, divulgou nota, vídeo e procurou a polícia para formalizar a denúncia. Ele salienta que o fato causou muito transtorno e prejudicou muito sua imagem. 

 

Determinado a descobrir o responsável, Júlio, que também é formado em jornalismo, acionou seus advogados e procurou a polícia. Ele se dirigiu a Deic, e foi ouvido pela seção de crimes cibernéticos, comandada pelo delegado Thiago Prado. Um Boletim de Ocorrência (B.O.) foi aberto e as investigações foram iniciadas. “Houve indiciamento e a polícia chegou ao responsável pelo crime. Eu fiquei muito feliz, porque meio que aliviou a minha dor, os traumas e os transtornos que aquilo me causou”, completa.

Júlio Cezar

"Tive grandes transtornos à minha imagem pessoal e pública, além de danos morais. A gente vira meme! As pessoas que gostam de você vão te defender, as que não gostam vão usar para atingir sua honra e dignidade"

Júlio Cezar diz que ficou surpreso e indignado ao saber que a responsável foi uma mulher com que já havia tido um relacionamento. 

 

​"Era uma pessoa que conviveu comigo. Fiquei surpreso e indignado. Não importa, para mim, saber o que ela alegou. O que importa é que a polícia tem provas técnicas, com riqueza de detalhes, que aquele crime foi praticado por essa pessoa. Ela, claro, vai se defender, mas eu como vítima procurei e quero justiça”, ressalta.

 

O político diz que foi muito bem tratado pela polícia e teceu elogio a atuação da mesma no caso. Cezar afirmou que não acredita que tenha sido bem tratado e o caso tenha sido resolvido devido a sua situação de pessoa pública. “Me senti protegido lá e não acho que tive o atendimento que tive porque sou uma pessoa pública. O caso foi de grande repercussão, porque eu sou uma pessoa pública. Por conta disso, houve mais destaque na mídia, mas o atendimento na delegacia foi como é para todos”, acrescentou o prefeito. 

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Júlio diz que, como cidadão, acha que as leis aplicadas para esse tipo de crime são pertinentes e que devem ser cumpridas. No seu caso, ele afirma que cabe danos morais e está avaliando junto a sua defesa tudo aquilo que pode ser necessário para reparar os danos causados a sua pessoa. Ele diz também que o fato não muda sua relação com a internet e as mídias sociais.

Cezar salienta que a vítimas não devem se calar, devem procurar a polícia, para honrar seus direitos e sua imagem. Ele afirma que o cyberbullying é “um crime inaceitável de um ódio muito grande”, então as vítimas não devem ter medo e procurar justiça. “Qualquer pessoa pode ser vítima de cyberbullying. É um crime grave, mas há punição severa. Portanto deve-se procurar justiça. Eu não fui o primeiro e não serei o último a enfrentar esse tipo de violência, mas é importante não nos calarmos”, pontuou.

 

Quase dois anos após o ocorrido, Júlio Cezar diz as sequelas e feridas causadas ainda doem, vez ou outra, e que esta entrevista foi a primeira na qual falou abertamente sobre o assunto.

“Essa é a primeira vez que falo abertamente sobre esse caso. Ele deixou traumas profundos, dor e sofrimento. Isso não parou, ainda persiste. Mesmo a polícia tendo feito uma grande ação para descobrir e punir quem fez isso, ainda dói, dói muito. É como se a ferida não cicatrizasse, ainda tivesse aberta. É assim que me sinto”, concluiu.

No dia 1º de dezembro de 2018, após a foto ser postada e amplamente compartilhada em grupos de WhatsApp, Júlio Cezar divulgou um vídeo em suas redes sociais confirmando ter sido vítima de cyberbullying, mas esclarecendo que se tratava de uma foto montagem.

 

Segundo o prefeito de Palmeira dos Índios, por ele ser uma pessoa conhecida e pública, o fato merecia um posicionamento seu. O político e jornalista também emitiu nota de esclarecimento e acionou a polícia e a Justiça.

 

​A ex-namorada do prefeito, Simonica Alves Silva, acusada de divulgar a foto, foi indiciada por vingança pornográfica. De acordo com informações passadas pela Deic, da Polícia Civil, ela nega a autoria do crime, mas as investigações apontam ter sido ela a responsável por difundir as imagens. O processo ainda está em andamento e corre em segredo de Justiça. O crime previsto no artigo 218-C do Código Penal brasileiro, conhecido como vingança pornográfica, prevê pena de até cinco anos de prisão.

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Consequências severas

O sofrimento de quem passa por uma violência não deve ser desconsiderado. Segundo a psicóloga Liedja Rocha, o que parece ser bobagem para muitos é a causa de uma dor constante para quem é vítima de cyberbullying, impossibilitando que o mesmo enxergue condição e saída da situação. Mudanças de comportamento como deixar de fazer o que gosta, isolamento, não manter diálogo como antes com pessoas do seu convívio, são atitudes que já são um chamado de atenção. 

​“Normalmente a vítima apresenta uma mudança de comportamento, fica mais depressiva, agressiva, ansiosa, violenta, se coloca numa posição de angustiada, mas não expõe suas angustias. Há uma reclusão, uma interrupção no processo de fazer amizades. Também há queda no rendimento escolar ou no trabalho. A pessoa não tem o desejo de sair, cumprir obrigações e é tomada por um pensamento limitador, derrotista, de que nada pode ser feito para resolver a situação e que só lhe resta sofrer. Tudo isso de forma inconsciente. O cyberbullying é uma violência séria, que pode agravar diversas doenças psicológicas e trazer consequências severas as vítimas", destaca a psicóloga.

 

​Liedja diz que quem pratica o cyberbullying também precisa da ajuda da psicoterapia. Ela explica que o agressor apresenta alguns traços característicos, e que, na maioria das vezes, é uma pessoa que teve experiências de violência, na vida, na família, e vê como normal tirar sarro de alguém. É alguém que foi criado vendo agressões deste tipo como normal, besteira, muitas vezes com a prática dentro do próprio ambiente familiar, sem nenhuma noção de que aquilo é errado e machuca. "A família normalmente se coloca como superior em diversas situações e a criança vai crescendo num ambiente de prática de violência, onde ela própria pode ter sido vítima e, por isso, vê a agressão como habitual ao longo da vida", completa.

Liedja Rocha, psicológa

“O cyberbullying agrava doenças psicológicas e pode trazer consequências severas para as vítimas."

A psicóloga alerta que é preciso que as pessoas tenham mais empatia, olhem mais para o outro, se coloquem no lugar do outro para assim pensar antes de agredir alguém desta forma. Além disso, Liedja afirma que as vítimas não devem se calar e que é preciso que se fale, se revele quando se está sendo atingido por esse tipo de agressão, pois diante da proporção que a coisa toma, no veio virtual, o cyberbullying pode provocar tragédias e até morte. ​

A ajuda familiar e psicológica é essencial e imprescindível, segundo Liedja. Ela diz que muitas vezes também há necessidade de uma de uma ajuda psiquiátrica ou ajuda médica qualquer, pois as vítimas desenvolvem algum tipo de patologia, dermatites, quedas de cabelo, problemas estomacais, intestinais, entre outras, por conta do estresse provocado por esse processo.

 

A profissional ressalta que diversas patologias físicas e psicológicas podem ocorrer. A pessoa não consegue dormir, apresenta-se muito ansiosa, depressiva e, por isso, o acompanhamento psiquiátrico é extremamente imprescindível.

A psicóloga destaca que o momento de procurar ajuda profissional é aquele em que se identifica que a vítima enfrenta um problema e que não consegue resolver sozinha, porque o mesmo já está afetando a sua vida de maneira a tirar sua tranquilidade, paz e discernimento.

 

​"O cyberbullying é uma violência que acontece muito frequentemente e precisa ser falada. Isso é muito importante! As pessoas devem olhar a questão com a devida atenção e importância. É uma violência invisível que está acontecendo e é um perigo na vida da vítima e nas nossas casas. É muito fácil ser vítima, pois estamos vulneráveis e cada vez mais suscetíveis, com a tecnologia e a internet.  Nós acessamos as pessoas de qualquer lugar através das redes sociais, através da comunicação com o uso da internet, então é cada vez maior e fácil se ver agredido por essa violência virtual, que destrói vidas e deixa marcas profundas para sempre. É preciso que as pessoas atentem para o fato, falem, se ajudem, procurem ajuda e não enfrentem essa violência sozinhas", aconselhou.

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Violência virtual mata

O suicídio já é considerado um problema de saúde pública. Apesar de ainda ser um certo tabu falar a respeito, o índice de pessoas que tiram a própria vida tem aumentado muito no mundo inteiro. Segundo a última pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2016, cerca de 800 mil pessoas se suicidam anualmente no mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos. No Brasil, segundo a mesma pesquisa, em 2016 foram contabilizados 6,1 suicídios a cada 100 mil habitantes. Já em 2010, foram registrados 5,7 suicídios a cada 100 mil. Um crescimento de 7%.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) organiza nacionalmente, em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Setembro Amarelo, mês de combate e prevenção ao suicídio no Brasil. A campanha acontece durante todo o ano, mas no mês de setembro as ações são intensificadas. O dia 10 do referido mês é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

Segundo a ABP, no Brasil são registrados todos os anos cerca de 12 mil suicídios e mais de 1 milhão no mundo.

​Entre as diversas razões que estimulam o suicídio está o cyberbullying. Comentários racistas, intimidadores, humilhação, constrangimento, incitação à violência e exposição íntima tem vitimado jovens que ao verem suas vidas devastadas com uma repercussão desmedida, sem saber como se defender, caem em profunda depressão e acreditam que ao tirar a própria vida o transtorno acaba.

​Diante do triste quadro e do aumento do número de casos, atualmente, o mundo já fala mais a respeito. Filmes, série de TV, campanhas governamentais, abordagem nas escolas, entre outras ações, mostram que falar sobre o assunto é uma das melhores formas de combate.

Confira abaixo três casos de cyberbullying que tiveram finais trágicos no mundo, no Brasil e em Alagoas.

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É importante ressaltar que para praticar o suicídio, a pessoa apresenta um estado de intenso sofrimento e sintomas diversos, como angústia e desespero. Muitos profissionais apontam que o suicídio é cometido quando alguém está enfrentando problemas afetivos, depressão ou qualquer conturbação mental. O cyberbullying é um estimulante significativo para que as vítimas apresentem quadros depressivos graves, automutilação corporal e até o suicídio.

Embora a sociedade ainda não fale o quanto deveria sobre o suicídio, é preciso que todos fiquem atentos para perceber e ajudar qualquer pessoa que esteja passando por problemas psicológicos. Conversar, não julgar e se informar sobre o problema e sobre a importância da ajuda profissional são cruciais para entender a situação e intervir a tempo.

Em algumas situações, como as narradas pelos personagens desta reportagem, é possível que as vítimas de cyberbullying não consigam lidar sozinhas com o problema. É preciso agir com humanidade, empatia e principalmente paciência e amor ao próximo. Orientar familiares, amigos sobre a divulgação correta de dados na internet e denunciar casos de cyberbullying é extremamente importante e pode amenizar o sofrimento, além de mostrar que é possível enfrentar o problema.

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Cyberbullying e a lei

A maioria dos casos de cyberbullying rompem os limites do que consideramos lícito e facilmente se enquadram nos tipos penais. O crime é tipificado no Código Penal brasileiro na Lei 13.185/15, quando foi instituto o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), em novembro de 2015.

 

Os crimes cibernéticos, propriamente ditos, podem ser definidos como qualquer atividade ilegal que se usa a internet, uma rede pública ou privada ou um sistema de computador doméstico. Segundo o texto da lei, ''todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, é configurado cyberbullying".

 

É também de responsabilidade das escolas o combate ao crime e o artigo 218-C considera crime a divulgação de fotos e vídeos íntimos (com cenas de nudez ou sexo), protegendo assim o direito a intimidade e integridade da pessoa humana. 

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O que diz a lei

Ainda que acredite estar sendo protegido pelo vasto campo da internet, o agressor virtual está cometendo um crime e pode ser punido. O cyberbullying é tipificado no código penal brasileiro quando configura crimes como mostra o esquema abaixo:

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A Lei 13.185/15 foi sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, no dia 06 de novembro de 2015, e institui o Programa de Combate a Intimidação Sistemática em todo território nacional.

Em 2018, o ex-presidente Michel Temer sancionou uma alteração incluindo a responsabilidade das escolas nas ações de combate ao crime.

Segundo a Lei, há intimidação sistemática na rede mundial de computadores, ou seja, há cyberbullying, quando se usa os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar violência, adulterar fotos e dados pessoais com o único intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.

Para todos os casos, as punições previstas no Código Penal já podem chegar a cinco anos de reclusão. Já na esfera civil, o agressor pode ser condenado a pagar indenização à vítima por dano moral. E se ele for menor de idade, os pais ou responsáveis responderão judicialmente por ele.

Com a Lei 13.718/2018, que modificou o código penal, foi inserido como crime a divulgação de conteúdo íntimo, erótico ou sexual, sem consentimento da pessoa.

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Não compartilhe

O delegado Thiago Prado, que comanda a seção de Crimes Cibernéticos da Deic em Alagoas, diz que a legislação brasileira não diferencia quem pratica o cyberbullying de quem compartilha e dissemina agressões, ofensas e inverdades. "Há uma dosimetria (cálculo da pena) penal diferente de um para o outro, mas quem compartilha também pode estar sujeito as mesmas penas perante a lei", explica. ​

 

De acordo com o delegado, as penas para o cyberbullying podem variar de dois a quatro anos. No entanto, na prática, não repercute em cadeia, é uma pena restritiva de direitos, onde o juiz estipula que a pessoa pague cestas básicas, ampare uma instituição ou preste algum tipo de serviço comunitário. No entanto, em caso de dano moral ou de outras tipificações na esfera civil, o agressor pode sim pagar indenização ou cumprir pena em reclusão.

 

​Prado alerta que mesmo alguns considerando as penas um tanto brandas, é bom destacar que o crime repercute no antecedente criminal. 

 

"A gente adverte que, apesar de ter uma pena baixa, repercute no antecedente criminal daquele sujeito. Isso pode impedi-lo de arrumar um emprego, pois muitas empresas pedem o antecedente criminal. Impede que ele exerça um cargo público, que seja convocado após concurso público e ainda fica sujeito às medidas cíveis, ou seja, pode ser que ele venha a ser condenado a pagar dano moral à vítima”, pontua.

 

Thiago Prado, delegado

"Quem compartilha pode estar sujeito as mesmas penas perante a lei."

Sobre o atendimento destinado às vítimas na delegacia, citado como hostil e desinteressada por vítimas mostradas nesta reportagem, Thiago Prado diz que é dever funcional de todo profissional e servidor tratar a todos de modo cortês e de forma técnica. Ele lamenta que nem todos os servidores sigam as regras, mas afirma que o cidadão que se sentir ofendido pode denunciar o referido servidor.

"Não podemos nos envolver e tão pouco achar graça em um trauma que aquela pessoa está passando em determinado momento da vida. Para isso, quando ocorrem essas falhas, de operacionalidade por falta do servidor, o cidadão deve procurar a Corregedoria. Mas, afirmo que essa não é a regra da Polícia Civil. Nós não podemos vitimizar mais uma vez uma pessoa que está passando por um grande constrangimento", frisa.

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Thiago Prado conta que, apesar de Alagoas não ter ainda dados específicos sobre cyberbullying, o estado tem apresentado um crescimento elevado no número de casos, principalmente na modalidade vingança pornográfica, cuja pena é mais rigorosa e o autor pode sim ser punido com reclusão. 

 

​"É impressionante como tem aumentado o registro de casos! As pessoas e principalmente o agressor acredita que não será descoberto, nem pego, mas a polícia tem sim meios de chegar até o culpado, ou os culpados. O certo é que todo crime praticado pela internet deixa um rastro, e através deste rastro é possível de ser descoberto por nós da Polícia Civil. Por isso, as vítimas precisam e devem denunciar", ressaltou.

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Evite o cyberbullying

Segundo Thiago Prado, qualquer pessoa está sujeita a se tornar vítima de cyberbullying e outros crimes praticados no meio virtual. O acesso e alcance infinito da internet favorecem o fato. 

 

A orientação da polícia para evitar o cyberbullying, de acordo com o delegado da Deic, é que as pessoas não confiem tão rapidamente nas relações que acontecem pela internet, pois existem muitos perfis falsos nas redes sociais e pessoas que estão ali apenas para praticar o mal.

Ainda segundo o delegado, alguns bullies - nome dado aos agressores que praticam cyberbullying - enviam fotos de outras pessoas, afirmando ser suas para dar credibilidade e motivar a vítima a retornar com outras fotos, seja nude ou não.

O  delegado ressalta que o buller também pode ser alguém conhecido, que faz ou fez parte do convívio da vítima. 

 

“O ideal é manter conversas superficiais e não revelar nenhum dado da vida real, tampouco trocar nudes, pois pode ser um criminoso ou alguém mal-intencionado que está do lado. Por isso, deve-se desconfiar sempre. Seja superficial. Não aceite pedido de amizades de desconhecidos, prive suas redes sociais de pessoas que não conhece, não poste e-mail em suas redes, seja sempre cauteloso, desconfiado e atento", orienta.

De acordo com o delegado, vítimas de cyberbullying devem juntar provas e procurar uma delegacia para formalizar a denúncia. Desta forma, o crime será investigado e o agressor devidamente identificado e punido.

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O que fazer caso seja vítima

Juntar provas, procurar uma delegacia e registrar a denúncia é uma das atitudes primordiais a se tomar em caso de ser vítima de cyberbullying, segundo o delegado Thiago Prado.

 

​Em alguns casos, a vítima também é orientada a procurar um cartório e fazer uma ordem de fé pública de que o crime em questão existiu, ou lavre uma Ata Notarial do conteúdo ofensivo/ilegal. Essa orientação é dada, porque como a internet é muito dinâmica, as informações podem ser tiradas do ar ou removidas para outro endereço.

As redes socais já possuem ferramentas para que o usuário denuncie comentários e postagens pejorativas e ofensivas. Assim como também é possível denunciar o perfil das pessoas que cometem cyberbullying nessas plataformas. As contas com esse tipo de agressão podem ser apagadas da rede e os donos do perfis banidos.

Vale enfatizar a importância de que os usuários, vítimas ou pessoas que percebam a pratica de cyberbullying denunciem as publicações e os perfis dos agressores. Deste forma, eles devem ser expostos nas suas próprias contas. Além disso, pedir que familiares, amigos, conhecidos, seguidores façam o mesmo para que as empresas responsáveis (plataformas digitais) agilizem as ações pertinentes.

​Veja as orientações da polícia sobre o que fazer, caso você seja vítima de cyberbullying:

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Qualquer delegacia do estado de Alagoas está habilitada a trabalhar nesse tipo de crime. Após a denúncia ser registrada, o departamento de crimes cibernéticos da Deic será acionado e as investigações serão iniciadas.

 

A Divisão Especial de Investigação e Captura (Deic) está localizada no seguinte endereço:

Divisão Especial de

Investigação e Capturas (Deic)

Rua Empresário José Montenegro Barros, nº 3833

Bairro; Santa Amélia - Maceió - Alagoas

Cep: 57063-000

 

Telefones: (82)3315-2193 

                            3315-2612 

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CYBERBULLYING

violência virtual

Direção: Laís Falcão 

Reportagem, Fotografia e Vídeo: Mara Santos

Edição: Laís Falcão e Mara Santos

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